domingo, 4 de março de 2018

Impressões sobre Ellen ou vamos embora pra Passárgada

Nem todos poemas 
tem um nome 
Se esse tivesse 
Seria o seu 

Lembro bem
Daquela noite enevoada e barulhenta
Em que 
Enebriado e embriagado 
eu te vi

Pela primeira vez 

Estava sentada 
Imóvel 
Lânguida 
Tal como uma estátua de mármore carrara
E eu ali num regalo 
Já estava pronto para cair a seus pés 

Você tinha sua própria luz 
E eu era uma mariposa 
Você pareceu linda e fatal como o fogo 
Que ardia fraco 
Nas suas curvas delicadas
Mas na superfície não eras nem morna 
Como um vulcão inativo 
Que poderia a qualquer momento 
Explodir 
Se assim resolvesse 

Minha alma capturada num instante de clareza 
Me fazia sentir 
Um perigo de não mais me pertencer 
Como num amor longamente esquecido 
Que poderia novamente me arrebatar 
A paragens lindas e terríveis 

Virou-se com elegância 
Nem sei se me notou 
Ainda bem 

Se me oferecesse um sorriso 
Cairia a seus pés 
Como alguém que faz um trato com o Diabo 
E perde a eternidade 
Pela ilusão de possuir o mundo 

A lascívia e a devassidão em mim 
Não poderia jamais alcançá-la
Eu não ousaria te tocar 
Mas se o fizesse 
Tenho certeza 
Eu explodiria numa supernova branca e vermelha 
Que dissolveria uma vez mais 
Minha individualidade 
Numa dança cósmica 
Em que a destruição assume aquele aspecto 
Tão bonito 
Em que as vagas lentidões dos milênios infindáveis 
Escondem a força e o calor esmagadores 
Da morte das estrelas que consomem umas às outras 
E fazem os minúsculos seres de carbono 
Evaporar 

De sobressalto me mantive distante 
E me pus a adorar em segredo 
No silêncio respeitoso que se presta 
Aos deuses da morte 

Quando te vi pela segunda vez 
Também não me atrevi a cumprimentá-la 
Como poderia eu ser tão insolente 

E na conversa esparça
Eu te tornei humana 
Vi sua melancolia 
E as desesperanças e as fraquezas 
Como os delicados anjos condenados 
Com que Deus adornou 
A cúpula escura do inferno 
E seus lamentos agudos 
Só poderiam ser ouvidos 
Pelas almas penadas que ainda ousam sonhar 
E olhar para cima 
Presos aos círculos mais baixos 

A sua tristeza também era luz 
Que me cegava e confundia 
Como poderíamos, ser delicados, inteligentes e bons
E ao mesmo tempo 
Felizes 

E como as palavras num encantamento 
Poderiam desfazer esses grilhões todos 
Que nos limitam e nos atam 
E como o diálogo inesgotável
Poderia nos fazer alcançar 
A alma um do outro 
Como meus dedos escuros
Poderiam se entrelaçar 
Na sua alva mão 
E como poderíamos então caminhar 
Juntos 
Sendo a única esperança e o único refúgio um do outro 
Vivendo o único sonho possível 
Nesses vales tão escuros 
Em que pessoas tão cruéis 
Machucam umas às outras 
Ignorando também que machucamos 
Outras pessoas 
Para então simplesmente nos recusar a sermos como eles
A mentir, a abandonar, a não desistir jamais 
Pelo menos um do outro

Eu vi sua imagem eu te coloquei um véu de noiva 
Vesti o seu dedo com a aliança que jamais perde o brilho 
E num instante, vivi até a eternidade ao seu lado 
Envelheci naquele segundo 
O mundo se apagou e você brilhou. 

Eu não sei se esse sonho em algum tempo é real 
Ou se sua imagem vai se desvanecer 
Como os vapores de que parece ser feita 
Ganhando as alturas a que pertence 
Para se juntar à luz azulada da lua 
De que as alucinações parecem ser feitas 

De qualquer modo 
Eu que não sou ninguém 
Estou aqui guardando 
Um pequeno poema com seu nome 
Nessa ínfima fração da eternidade 
Para te fixar na parede da minha memória 
E te erigir um singelo altar 
E para dizer 
Como um louco! 
Que por alguns instantes ao menos 
E sem razão 
Como sempre é 
Que eu também te amei 

Me juntei à procissão 
Dos poucos homens sensíveis 
Que te viu 
Que te adorou 
E que, digo novamente, te amou. 

Existe amor a primeira vista?
Afinal, existe o amor?
Se essas coisas pudessem ser verdade 
Mesmo que num sonho besta 
Eu te diria 
Que não foi às primeira vista 
Como no ilusório reencontro de almas antigas 
Como nos fados antigos de quando se acreditava no amor 
Não foi a primeira vista 
Porque naquele vislumbre existiu uma vida inteira 
E eu a vivi, com seus encantos e desencantos 
Te tomei pela primeira vez 
E até caí na rotina 
Eu vi tudo 
E resolvi aqui registrar 
E tudo que posso fazer é me expor 
Ao ridículo
Como todo amor é ridículo
Sem muita esperança de te agradar 

Sempre disse que escrevo pra mim mesmo 
E aqui estão 
Como perguntou 
Todas as impressões que tive 
Quando pela primeira vez te vi 
Esse é afinal, um poema para o Diabo. 

Dizem que cada um tem 
O amor que acha que merece 
Eu sou o poeta
Que sem mentir
Ousou sonhar com o impossível. 

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