tem um nome
Se esse tivesse
Seria o seu
Lembro bem
Daquela noite enevoada e barulhenta
Em que
Enebriado e embriagado
eu te vi
Pela primeira vez
Estava sentada
Imóvel
Lânguida
Tal como uma estátua de mármore carrara
E eu ali num regalo
Já estava pronto para cair a seus pés
Você tinha sua própria luz
E eu era uma mariposa
Você pareceu linda e fatal como o fogo
Que ardia fraco
Nas suas curvas delicadas
Mas na superfície não eras nem morna
Como um vulcão inativo
Que poderia a qualquer momento
Explodir
Se assim resolvesse
Minha alma capturada num instante de clareza
Me fazia sentir
Um perigo de não mais me pertencer
Como num amor longamente esquecido
Que poderia novamente me arrebatar
A paragens lindas e terríveis
Virou-se com elegância
Nem sei se me notou
Ainda bem
Se me oferecesse um sorriso
Cairia a seus pés
Como alguém que faz um trato com o Diabo
E perde a eternidade
Pela ilusão de possuir o mundo
A lascívia e a devassidão em mim
Não poderia jamais alcançá-la
Eu não ousaria te tocar
Mas se o fizesse
Tenho certeza
Eu explodiria numa supernova branca e vermelha
Que dissolveria uma vez mais
Minha individualidade
Numa dança cósmica
Em que a destruição assume aquele aspecto
Tão bonito
Em que as vagas lentidões dos milênios infindáveis
Escondem a força e o calor esmagadores
Da morte das estrelas que consomem umas às outras
E fazem os minúsculos seres de carbono
Evaporar
De sobressalto me mantive distante
E me pus a adorar em segredo
No silêncio respeitoso que se presta
Aos deuses da morte
Quando te vi pela segunda vez
Também não me atrevi a cumprimentá-la
Como poderia eu ser tão insolente
E na conversa esparça
Eu te tornei humana
Vi sua melancolia
E as desesperanças e as fraquezas
Como os delicados anjos condenados
Com que Deus adornou
A cúpula escura do inferno
E seus lamentos agudos
Só poderiam ser ouvidos
Pelas almas penadas que ainda ousam sonhar
E olhar para cima
Presos aos círculos mais baixos
A sua tristeza também era luz
Que me cegava e confundia
Como poderíamos, ser delicados, inteligentes e bons
E ao mesmo tempo
Felizes
E como as palavras num encantamento
Poderiam desfazer esses grilhões todos
Que nos limitam e nos atam
E como o diálogo inesgotável
Poderia nos fazer alcançar
A alma um do outro
Como meus dedos escuros
Poderiam se entrelaçar
Na sua alva mão
E como poderíamos então caminhar
Juntos
Sendo a única esperança e o único refúgio um do outro
Vivendo o único sonho possível
Nesses vales tão escuros
Em que pessoas tão cruéis
Machucam umas às outras
Ignorando também que machucamos
Outras pessoas
Para então simplesmente nos recusar a sermos como eles
A mentir, a abandonar, a não desistir jamais
Pelo menos um do outro
Eu vi sua imagem eu te coloquei um véu de noiva
Vesti o seu dedo com a aliança que jamais perde o brilho
E num instante, vivi até a eternidade ao seu lado
Envelheci naquele segundo
O mundo se apagou e você brilhou.
Eu não sei se esse sonho em algum tempo é real
Ou se sua imagem vai se desvanecer
Como os vapores de que parece ser feita
Ganhando as alturas a que pertence
Para se juntar à luz azulada da lua
De que as alucinações parecem ser feitas
De qualquer modo
Eu que não sou ninguém
Estou aqui guardando
Um pequeno poema com seu nome
Nessa ínfima fração da eternidade
Para te fixar na parede da minha memória
E te erigir um singelo altar
E para dizer
Como um louco!
Que por alguns instantes ao menos
E sem razão
Como sempre é
Que eu também te amei
Me juntei à procissão
Dos poucos homens sensíveis
Que te viu
Que te adorou
E que, digo novamente, te amou.
Existe amor a primeira vista?
Afinal, existe o amor?
Se essas coisas pudessem ser verdade
Mesmo que num sonho besta
Eu te diria
Que não foi às primeira vista
Como no ilusório reencontro de almas antigas
Como nos fados antigos de quando se acreditava no amor
Não foi a primeira vista
Porque naquele vislumbre existiu uma vida inteira
E eu a vivi, com seus encantos e desencantos
Te tomei pela primeira vez
E até caí na rotina
Eu vi tudo
E resolvi aqui registrar
E tudo que posso fazer é me expor
Ao ridículo
Como todo amor é ridículo
Sem muita esperança de te agradar
Sempre disse que escrevo pra mim mesmo
E aqui estão
Como perguntou
Todas as impressões que tive
Quando pela primeira vez te vi
Esse é afinal, um poema para o Diabo.
Dizem que cada um tem
O amor que acha que merece
Eu sou o poeta
Que sem mentir
Ousou sonhar com o impossível.
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