sábado, 27 de novembro de 2021

Medo da chuva

 Era bom aqui dentro 

amplo, iluminado, com aquele burburinho de risada 

tem riso de criança 

tem gemido rasgado 

tem silêncio 

tem ninho 

tem música e dança 


mas lá fora 


tinha um escroto vomitando merda e sangue 

chovia gente 

gente se espatifava

gente morria na calçada 

gente morria e ninguém enterrava 


era tão horrível 

tão horrível 

que eu fechei os olhos 


mas não pude evitar de ouvir 

e nossa casa flutuava longe, acima 

deslizando devagarinho junto com as nuvens 

sem sabermos pra onde 

olhar pra baixo dava medo de chover 


terça-feira, 16 de março de 2021

Vasto

 Eu sou o mar 

pra me aceitar 

tem que saber navegar 


e pra entrar 

a melhor forma 

é mergulhar de cabeça 


eu vou te envolver 

eu vou te molhar de prazer 

em puro riso e lascívia 


é intenso 

é pleno 

e até imprudente 


precisa ter rabo de peixe 

e fechar os olhos no início 

precisa se entregar às correntezas 

e se abrir pro desconhecido 


o Oceano é um deus exigente 

ele nos quer de repente 

e nos transforma pra sempre 


se você quer se sentir segura 

e rejeita aventura 

não pula não 

mas se pular 

saiba que vou ser pra você um colchão 

cheinho de estrelas 

corais 

e peixes coloridos

passando rápido 


eu que não te quero nenhum mal 

só posso te oferecer a vastidão 

eu acho que o amor só vale a pena 

se ele nos toma o coração 

afunda 

mas também eleva 

é profundo mas leve 

é gigantesco mas não pesa 

e te leva 

e te leva 


então tire os sapatos 

tira suas vestes pesadas 

e vem ser minha namorada 

segunda-feira, 15 de março de 2021

Alquimia

O mundo é feito de palavras 

e minha poesia é como alquimia 

peguei um desespero bem triste 

misturei com um ciúme bem feio 

agitei com a pressa 

e tirei dele 

um poeminha 

o que era feio eu coloquei 

mas foi bonito 

o que tirei 

e agora transmutado 

vou dormir sossegado 

sendo eu mesmo a poesia 

fruto dessa magia 

Poeminha

 já faz um tempo que eu 

solitário 

comecei a plantar um jardim 

adubei com minhas dores 

e plantei muitas flores 

uma água bem cristalina brotou 

tem vitória régia e passarinho 

e essa flora e fauna linda 

sou eu todinho 

pronto pra ser morada 

da minha namorada 

e eu sei que o amor às vezes demora 

mas um dia vem 

eu vou ser muito feliz 

mas vou te fazer feliz também 

e essas memórias plantadas na beira do mar 

vão ser nosso tesouro 

e nossos olhos mareados 

vão brilhar mais do que ouro!

eu faço assim um poema bobinho 

pois quero ser só seu 

todinho 

toma teu tempo 

mas não demora 

porque eu sinto 

que nossa hora é agora 

vai ser o fim de uma longa jornada 

quando fizermos um do outro nossa morada 

e o futuro que assusta 

vai na verdade ser algo 

que a gente degusta 

deitados juntinhos 

se amando devagarinho 

Chama!

Tambores de guerra 

meu coração 

Furacão 

meus suspiros 

Rio caudaloso 

meus olhos em lágrimas 

Mais famintos que um leão 

meus lábios 

Mais largos que os anéis de saturno 

meus braços 

Mais quente que o sol 

meu desejo 

Mais rápidos que a luz 

eu indo ao seu encontro 


O tempo do amor 

é sempre o agora 

porque demora? 

porque demora?



sábado, 13 de março de 2021

Felicidade e contentamento

Esses dias me perguntaram o que eu quero. Eu podia dizer que quero tudo, ou que não quero nada, os dois seriam verdade. Respondi quero nada. Contrariada, minha interlocutora me perguntou o que me faria feliz. Refletindo, respondi que eu acho que a ideia de felicidade é uma armadilha. 

Parando pra pensar agora, decidi escrever esse textinho pra quem sabe ler mais tarde. O problema da ideia da felicidade é que ela sempre puxa a gente pra uma ficção de futuro que quase nunca se concretiza. Ou quando vem, sabemos, passa voando. 

Eu sempre me impressionei com a capacidade humana de se adaptar, somos elásticos, maleáveis e resilientes. Acho que a gente se adapta também com uma situação confortável, que se fosse novidade, nos faria feliz. 

Agora por exemplo, eu tô deitado numa cama limpa, de banho tomado, saciado, não sinto nenhuma dor, tenho saúde, plenas faculdades físicas e mentais. Pensei em quantas pessoas colocariam um ou mais desses itens, em suas listas. Mas da mesma forma que elas, eu também me sinto incompleto.

Eu queria por exemplo, que a mulher desejada estendesse sua mão pra mim e que eu pudesse ser minha melhor versão com ela. Sempre tem uma paixão. Mas vale lembrar que, quando fui casado com uma mulher maravilhosa, o que eu queria era viver essas coisas que agora vivo. Talvez ela não fosse a "pessoa certa". Mas acho que a gente nunca tá satisfeito mesmo, e que não tem pessoa certa. 

Talvez devêssemos então nos desapegar dessa ideia de felicidade, pq parece mesmo que ela é uma armadilha, que leva a gente daqui pra um lugar de fantasia. Talvez essa pulsão de querer seja algo necessário pra continuarmos vivendo, ou talvez não querer nada seja uma chave, pra vivermos exatamente o que temos como presente. 

segunda-feira, 8 de março de 2021

 Ontem 

eu cavalguei a tempestade 

os trovões atravessavam a cama 

os lençóis de nuvem 

os suspiros ventos de tempestade 

cálidos  

mornos

quentes 

depois fervendo! 

e depois de tanta chuva 

tanta água 

tanto tempo fechado 

eu era cavalo 

e ela 

deusa 

cada carinho uma devoção 

cada concessão 

uma dádiva 

Vênus enciumada 

Dionísio orgulhoso 

E Eros 

Ria baixinho 

Quanta confusão! 

Quanto bem, quanta beleza

inesquecível encontro com sagrado 

em suas cores douradas e púrpuras 

envoltos em sua névoa 

seus feitiços 

que me capturaram 

mas não me fizeram cativo 

me levaram além 

e no além eu me encontrei 

inundado em seu mel 

hipnotizado em seus gemidos 

sua pele 

sua pele 

suas curvas 

nossas voltas 

e como rio represado 

eu jorrei 

em lágrima e em todos os líquidos mais sagrados

éramos sangue correndo

éramos gozo grosso

e a taça quebrou 

e o vinho derramou 

enquanto estávamos 

viscosos 

derramados 

um no outro 

e inebriados passamos a noite 

e meu coração me dizia 

pode ser 

pode ser 

podemos ser 

podemos ter 

tudo 

mas o que foi mais que bastava mais o que foi mais que bastou 

e aquela noite dura e durou 

uma eternidade bem particular 

gravo essa Ode 

como escrevi as palavras 

no seu livro de ficções possíveis e impossíveis

"todas as mulheres são deusas, mas eu só adoro você".

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Esfrega arte na minha cara


No meu ninho

aprendi a ser objetiva e prática

te vira menina

faça sozinha

é a vida

a gente tem que

saber se virar

 

meu tempo não era meu

era do amanhã

era da guerra

era do curativo

das feridas que ainda nem tinham ferido

alerta vermelho

ação

 

Nunca tive tempo para arte

ou melhor, 

para sentir arte

[ ]

mata a fome?

não

protege da chuva?

não

mata sede?

não

pra que serve então?

arte é bicho sem razão

quero não...

 

mas como em toda guerra

há morte

ah morte!

soberana

sabia

cigana

ela abraça, dilacera e revela

não faz jus a má fama

inflama, queima e torna cinza

toda e qualquer falta de tempo

aliada da vida

essa vida mesmo... que foi feita pra ser sentida

me fez entender

que só com arte dá pra Ser

 

mata a fome?

depende de que

protege da chuva?

molha todo o ser

mata sede?

só se você beber

pra que serve então?

pra viver.

 

Estou aprendendo, experimentando, me permitindo mergulhar em cores, formas e sensações, que não foram feitas para caber em razões, mas que sabem muito bem como aquecer corações

o tempo é do ócio, não tem função, não tem palavra, não tem o que ter. 

Conheço pouco ou nada sobre arte

mas conheço muito sobre mim e de toda potência que há nesse corpo, me contento em sentir ao invés de saber.

Manda a ver! 

 

Esfrega arte em mim

lambuze meu corpo com tintas

escreva poemas sobre minha pele

chove em mim, amor

dedilhe notas musicais ao pé dos meus ouvidos

sussurre formas geométricas e abstratas até me fazer arrepiar

molda meu corpo no seu

dança comigo

e

mais uma vez

repita a dose

Esfrega arte na minha cara


[enviado pra mim por Thaís Real dia 24/02/2021]

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Eu-rio

Sem esperar 
Veio a chuva 
Repentina 
Caudalosa 
Morna 
Uma chuva de fim de verão. 

Vamos ver agora 
Se disso algo vai brotar 
Mas já valeu
Pelo cheirinho de terra 
Pelo aconchego 
Pelo novo sentido dado
Àquelas tardes aconchegantes 
Em que meu coração-tromba d'água

Eu vim lá de longe
Por cima das nuvens 
Chovi em você 
Em meia hora 
Desaguei um amor inteiro 

Você tristinha 
Me disse que era um anjo quebrado 
Mas essas coisas não existem 
As vezes a gente só não consegue se ver 

Mas aqui está 
Te dou de presente 
Esse espelhinho dágua
Olha nele seus olhos de amêndoa 
Seus cachos 
Sua boca carnuda 
Suas curvas 
Deixa ressonar nele tua gargalhada
Reflete nele 
Seu humor 
Sua inteligência 
Sua determinação
E vê lá no fundo 
Que até o vento da chuva suspira por você

E lá fora, deixa eu chover 
Talvez eu escorra pelas frestas 
E vire um mar bem salgado de lágrimas
Talvez eu vire nuvem de novo e suma no horizonte 
Talvez um pouco da minha água 
Alimente uma semente e vire uma flor 
Ou transforme o mundo num jardim pra gente percorrer 

O certo é que quando a água passa 
Algumas coisinhas mudam 
Talvez tão imperceptíveis
Quanto a mudança interna necessária 
Pra você olhar no espelho e reafirmar 
Eu quero 
Eu posso 
Eu mereço

Quanto a mim-água
O movimento é minha natureza 
Não lamento que devo ir logo logo
Porque sempre levarei um pouco de você comigo
Fernanda
E quem sabe um dia numa curva de rio 
A gente ria junto outra vez ❤️

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Voltando pra casa 
Com aquele velho buraco no peito