terça-feira, 7 de agosto de 2018

Hoje converso com fantasmas

Um cara querido
morreu
o cigarro o matou

hoje acendi meu cigarro
e conversei com ele

em seus olhos avermelhados
senti suas dores
e compartilhei delas
somente eu e ele

seu fantasma sentou ao meu lado
enquanto a vitrola tocava um blues

hoje fui prum buteco
e o bêbado transtornado
pediu um trocado para um trago
e eu tomei com ele

o choro da memória da cadeia
era o meu choro
seus passos embaralhados
exitantes e incertos
rumo a uma casa que não chama de lar
eram os meus passos
no caminho de volta

As músicas de amor já não me dizem nada

As músicas de amor
já não me dizem nada
Não existem exceções
somente ilusões
breves
e que machucam
e que nos fazem desistir

talvez outrora
por um fanatismo bonito
ou por uma falta de opção
enriquecedora
Houvesse amor verdadeiro

Hoje não
hoje o esclarecimento
mostra quem as pessoas são

Sempre falsas
até consigo mesmas
e a evolução
nos levou prum lugar vazio
solitário
frio
individualista

e essa é a nova onda do futuro!
vamos consumir pessoas
sexo fast food
esquecer e continuar
sempre sempre sempre
consumindo tudo
com olhos arregalados
e sorrisos falsos
parecemos estar bem
então acho que estamos bem
afinal 
a vida é isso mesmo
o novo século é como sempre foi!
isso é nossa natureza
pulando de galho em galho
não aturando a neura dos outros
nem as nossas
não perdoando jamais
exceto a nós mesmos
viva!
o novo século chegou
na luz de neon
e no vapor das drogas
e nos sabor do álcool
pq sem uma cachaça
não dá pra suportar essa desgraça
o que queremos?
ganhar dinheiro
o que podemos?
o mundo é assim mesmo

e alguns românticos
se dizem os páreas
a contra cultura
um elitismo hipócrita
que me enoja as vezes
e vivem as mesmas tragédias
que todo resto

o humano agora é isso
o resto
de um consumismo industrial
onde tudo é descartável
tudo é resto
os dinossauros estão vivos!
com seus olhos reptilianos cruéis
são gigantes
que vagam entre as gentes
e os admiramos e queremos talvez ser como eles
e esbarram em tudo
como elefantes em uma loja de porcelanas
e o lixo triturado no chão
somos nós

As pedras e os galhos no chão

Meus pés doloridos
pisam as pedras e os galhos no chão
encontram alívio num riacho frio
enquanto caminho longamente
à esmo

As pessoas
como eu mesmo
sempre tão egoístas e hipócritas
me empurram pra longe

e pra longe eu vou
sem saber o que encontrar
além da distância de vocês

Para além da fronteira da solidão
existe um silêncio que clareia a mente
e ver tudo de fora
te dá uma perspectiva nova também

Fui mal interpretado tantas vezes
que tenho até medo de falar

Eu vejo o caminho do mundo
e ele me assusta
E eu não quero
participar dele

E eu vejo o que as pessoas querem
e eu sei que isso eu não quero
Mas eu também não sei
o que eu quero
além da distância de vocês

Os meus olhos tem fome
de devorar o mundo
e o riso solitário, tem um féu amargo
mas é menos amargo
do que a ironia de uma falsa amizade
e assim
solitário crônico
eu pretendo ir

Meus pés doloridos
tocam as pedras e os galhos no chão

domingo, 8 de julho de 2018

Penetrando a membrana do mundo

Eu
tão pequenininho
estou posto diante
da pulsante
membrana do mundo

é uma parede escura
fibrosa
por vezes rubra
com estrondos inaudíveis

olho em volta
e estou só
o frio e a solidão
me paralisam

estico minha mão
e toco os dedos na membrana morna
sabendo que do outro lado
está talvez
aquilo que preciso

mas quando digo preciso
talvez você não entenda
o quanto isso me é vital
porque aqui estou no limbo
tenho pertença, tenho amigos, família
lugares de saudade permanente
mas não estou realmente vivo

e nem me lembro a última vez
que por benção do Fora
ou por inocência
me senti pleno por mais de uma noite

mas socar a membrana não parece ser o bastante
agora busco qualquer prana
qualquer energia da vida e do mundo
que me faça dar uma guinada pra frente
acertando a membrana do mundo
com a minha cara
com o meu peito aberto
e na dor de nascer de novo
eu atravesse
atordoado
para o outro lado
até que caia, espremido e nu
do outro lado
e abra meus olhos
como se fosse a primeira vez
para quem sabe assim
talvez
conseguir renascer

mas em esperança simbólica
na solidão
eu choro sozinho
encarando a membrana do mundo
sem saber como ter forças
para atravessá-la

quinta-feira, 5 de julho de 2018

O furacão chegou

Todos os furacões tem nomes de mulher
e esse me veio como uma lufada violenta
de perfume e luz
nauseadas de amor

minhas pernas balançaram
ergui a cabeça
antes sempre voltada pra baixo
tão triste
e eu gritei
mas não fui ouvido

Em seu rastro nem as árvores altas resistiram
e minha rotina
tão maçante
foi aniquilada junto

Agora nessa paisagem arrasada
eu vi que talvez tenha chegado a hora de partir
Queria mesmo
viver esses momentos bobos
despretensiosos
de choro e riso fácil

Mas nada na minha vida parece ter sido fácil
certamente pelo que eu sou
mas também porque o mundo não parece se importar
com justiça, afinal

E alguma coisa em mim mudou
O que eu era acenou
Pro lobo solitário que me tornei
Mostrando que o passado foi cheio de coisas bonitas
de que reluto em admitir, tenho saudade

Talvez seja mesmo a hora
de botar a trouxa de roupas no ombro
e caminhar em direção àquele sonho difícil
escalar algumas montanhas
atravessar o mar
e tentar
me refazer
em algum lugar diferente e bonito

Só peço aos deuses
que essa resiliência que construí
seja suficiente pra sobreviver
sem ajuda de ninguém
sem amigos
sem amores
sem governos

porque o que eu quero é me jogar no mundo
e viver lá fora
nu e vazio
como eu tenho me arrastado aqui
e quem sabe o destino
não tenha me pregado essas peças
me preparando pro que reserva pra mim

gostaria de saber
se meu pai
lá do alto
que me acompanha sempre no coração
poderia fazer, como sempre fez,
qualquer coisa pra me ajudar
mas eu não sei

e sem saber eu vou
e sem saber eu voo 

quinta-feira, 28 de junho de 2018

por favor
alguém me acorde
alguém me sacuda

de tempos em tempos
numa batida forte
um lampejo de luz

aquele sorriso luminoso
se colocando entre eu e o mar
não quis ficar

mas eu tenho que me aprumar
queria escrever um poema bonito
até pensei em alguns
mas estou muito triste pra isso

acho que esse isolamento
e esses lugares fedorentos
me deixaram fora de órbita
talvez por tempo demais

acho que chegou mesmo a hora
de caminhar devagarinho pra fora
quem sabe eu não tenho sorte
e ainda um restolho de virtude
que me permitam ser feliz?

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Trancafiado

Com dedos de aço
Enfiei minha mão inteira na boca
e torci minha língua
arranquei seu nome dela
com unhas afiadas
peguei uma navalha
e furei os olhos que te viam em tudo
cortei fora as duas orelhas
que queriam ouvir sobre você
se eu não respirar
você não pode mais
me roubar suspiros
se eu nunca mais dormir
não vou mais sonhar

trancafiado em pesado cofre
esse assombroso segredo
foi lançado ao mais profundo oceano
corri léguas e léguas
com o diabo em meus calcanhares

e ninguém mais sabe
porque estou sozinho em casa
esperando o tempo correr
ou porque evito certos lugares
e faço planos pra partir
e nunca mais voltar

há de raiar um dia
em que fingindo ter esquecido
eu o terei realmente
e aquele nascituro
vai começar a andar
balbuciar novas palavras
fazendo movimentos familiares
e eu que fui gestado no horror de mim mesmo
não serei senão o contrário
do que fui
e que era o contrário
do que já havia sido

e olhar o mundo com novos olhos vai doer a princípio
mas eu vou deixar a luz entrar
e o som me invadir
e eu vou cair pra levantar com joelhos ralados
rir chorar e novamente
novamente desejar

quando eles verem
eu terei partido
sem levar nada comigo
e noutro lugar
estarei renascido.