sexta-feira, 1 de junho de 2018

Trancafiado

Com dedos de aço
Enfiei minha mão inteira na boca
e torci minha língua
arranquei seu nome dela
com unhas afiadas
peguei uma navalha
e furei os olhos que te viam em tudo
cortei fora as duas orelhas
que queriam ouvir sobre você
se eu não respirar
você não pode mais
me roubar suspiros
se eu nunca mais dormir
não vou mais sonhar

trancafiado em pesado cofre
esse assombroso segredo
foi lançado ao mais profundo oceano
corri léguas e léguas
com o diabo em meus calcanhares

e ninguém mais sabe
porque estou sozinho em casa
esperando o tempo correr
ou porque evito certos lugares
e faço planos pra partir
e nunca mais voltar

há de raiar um dia
em que fingindo ter esquecido
eu o terei realmente
e aquele nascituro
vai começar a andar
balbuciar novas palavras
fazendo movimentos familiares
e eu que fui gestado no horror de mim mesmo
não serei senão o contrário
do que fui
e que era o contrário
do que já havia sido

e olhar o mundo com novos olhos vai doer a princípio
mas eu vou deixar a luz entrar
e o som me invadir
e eu vou cair pra levantar com joelhos ralados
rir chorar e novamente
novamente desejar

quando eles verem
eu terei partido
sem levar nada comigo
e noutro lugar
estarei renascido.

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