quarta-feira, 25 de abril de 2018

Muad'Dib de Duna

Penso na alegria que é estar vivo e imagino se jamais conseguirei mergulhar interiormente até as raízes desta carne para me conhecer tal como um dia fui. As raízes então lá. Ainda que em momento algum eu seja capaz de encontrá-las, elas permanecem fincadas no futuro. Mas todas as coisas que um homem pode fazer são minhas. Qualquer ato meu pode fazê-lo.

-Frank Herbert. 

Os Dois Infinitos

Duas coisas enchem a alma de admiração e de respeito sempre renovados e que aumentam à medida que o pensamento mais vezes se concentra nelas: acima de nós, o céu estrelado; no nosso íntimo, a lei moral. Não é necessário buscá-las e adivinhá-las como se estivessem ofuscadas por nuvens ou situadas em região inacessível, para além do meu horizonte; vejo-as ante mim e relaciono-as imediatamente com a consciência da minha existência. A primeira, a partir do lugar que ocupo no mundo exterior, estende a relação do meu ser com as coisas sensíveis a todo esse imenso espaço onde os mundos se sucedem aos mundos e os sistemas aos sistemas e a toda a duração ilimitada dos seus movimentos periódicos. A segunda parte do meu invisível eu, da minha personalidade e do meu posto num mundo que possui a verdadeira infinitude, mas no qual o entendimento mal pode penetrar e ao qual reconheço estar vinculado por uma relação não apenas contingente, mas universal e necessária (relação que também alargo a todos esses mundos visíveis). Numa, a visão de uma infinidade de mundos quase aniquila a minha importância, na medida em que me considero uma criatura animal que, depois de ter (não se sabe como) gozado a vida durante um breve lapso de tempo, deve devolver a matéria de que é formada ao planeta em que vive e que não é mais do que um ponto no universo. Pelo contrário, a outra ergue infinitamente o meu valor como inteligência, mediante a minha personalidade, na qual a lei moral me revela uma vida independente da animalidade e até de todo o mundo sensível, pelo menos na medida em que podemos julgá-lo pelo destino que esta lei consigna à minha existência, e que, em vez de ser limitada às condições e aos limites desta vida, se alarga até ao infinito. 

Emmanuel Kant, in 'Crítica da Razão Prática' 

Eu

Duas coisas enchem a alma de admiração e de respeito sempre renovados e que aumentam à medida que o pensamento mais vezes se concentra nelas: acima de nós, o céu estrelado; no nosso íntimo, a lei moral. Não é necessário buscá-las e adivinhá-las como se estivessem ofuscadas por nuvens ou situadas em região inacessível, para além do meu horizonte; vejo-as ante mim e relaciono-as imediatamente com a consciência da minha existência.
-Kant

Minha mente sempre é uma tempestade
desloco meu pensamento pra cada fibra
do que chamo de corpo
e tento escrutinar cada parte
desse cérebro intricado
pensando até sobre a origem desses pensamentos
quantos neurônios?
quantos impulsos elétricos?
quantas células?
quantos hormônios
decidem por mim
no que é que eu penso
minha mente me parece um mar tormentoso
navego somente sua superfície
das profundezas vem os desejos
assaltam-me os impulsos todos
as decisões na verdade
me vem prontas
embora por vezes custe a admiti-las
e assim eu sigo
como uma nuvem sobre esse mar revolto
e o homem que sofre as consequências
não parece por vezes o mesmo
que agiu conforme os desejos
e dentro de mim mora o homem de ontem
e suas raízes profundas se estendem
até o homem de amanhã
nesses padrões eu repito
o que eu aprendi de ancestrais remotos
talvez gravados nas raízes que germinaram aqui agora
talvez passados em cada gesto dos meus pais
e dos meus muitos mentores
essa confluência caudalosa
jorra pela janela do meu ser
e assim me pareço
cada vez mais
como uma ficção que esse Ser conta a si mesmo
mais me valeria talvez
acreditar em espíritos
duelando pela minha suposta alma imortal
mas a carne destituída de mística
não me é menos misteriosa
pelo contrário
o mistério se aprofunda
quando visito salões em mim
que não deveria escrutinar
e nessa tempestade
o que existe dentro de mim
não parece menos irreal
do que o que existe fora
por vezes a luz me engana
os sonos e os cheiros me trazem memórias
que se impõem ao que vem do Fora
e a maneira como percebo
parece mais criadora
do que a natureza inata
das coisas que afinal percebo
tento me fechar
me negar
me deixar esquecer
e tentar somente
perceber
como alguém que não agita as águas do próprio destino
mas que antes
se deixa levar
constantemente assaltado por ventanias que me arrastam
de um lugar para o outro
o tempo entra no meu mundo
modificando a paisagem
e eu não sei o que sou
acho que simplesmente aconteço 

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Pesadelo Você

Essa noite
meu amor me visitou
e o sorriso dela é tão doce
quanto o gosto amargo que deixou
E o brilho do seu cabelo é tão lustroso
quanto é escura a noite que se seguiu
E o calor morno que me invadiu
é tão terno
Quanto é terrível a sombra
que após isso me engoliu
Sua presença virou aquele vazio sólido
que me encerrava de todos os lados
quando acordei a certeza me acertou
como um balde frio no peito
em plena noite invernal

ali fiquei

atônito

encolhido

trêmulo

o último homem num mundo de escuridão total sem estrelas

A solidão somada
àquele sentimento de merecimento
me assaltou como fariam os Quatro

mas infelizmente

ainda não estava morto

quantas noites cabem numa noite?
quantos invernos se escondem numa lua crescente de verão
afinal, quando o sol nasce?
está tudo tão quieto

tenho medo de botar os pés no chão
e cair pra fora da cama
naquele espaço entre os mundos

acho mesmo que finalmente o sol se apagou
a lua pálida nem percebeu

observou passiva
enquanto a Terra toda se cobriu
da neblina gélida da evaporada água
tudo está ao contrário
flutuando em suspensão
eu sou uma esfera fosca
rolando rolando no chão
sempre rumo ao centro
e à inanição

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Quantos somos?

Eu sou a pessoa 
Que dá descarga 
no banheiro sujo da rodoviária
Já me disseram pra parar 
De ser tão bom
Muitos até me chamaram de fofo 

Mas tem outras pessoas

Que espalham por aí que sou nojento 
Um cafajeste 
Algo que envergonharia o demônio

E eu 
Sou todas essas pessoas 

Sou quem eu acho que sou 
E sou tudo que os outros acham também 
Inclusive minha mãe

terça-feira, 3 de abril de 2018

Você não pode usar
meu medo pra me manipular
eu encarei a solidão
e engoli ela inteira
Isso só me fez crescer
você sabe?
Fiz as pazes com a morte
no dia em que segurando a mão do meu pai
o vi partir
e o enterrei
com todo carinho e orgulho que um filho pode ter
um dia serei eu
a jazer no caixão
e eu sei dos poucos que lá estarão
pra transmitir todas as minhas histórias
eu não tenho nada
além de mim mesmo
e isso eu não posso perder
Ás vezes eu entrego
flores em formas de poemas
são todos verdade
Eu rabisco as minhas verdades
deixo-as suspensas aqui
como bolhas de sabão
e venho ver suas cores
quando me sinto descolorido

O riso frouxo
vai sempre habitar meu rosto
a curiosidade será sempre meu guia
a imaginação infantil sempre vai florescer aqui
o carinho vai sempre balançar meu corpo
meus pés, cansados, só precisam de um banho de mar
e eu
que já me senti tão feio
encaro o espelho com orgulho
coluna ereta
coração tranquilo
até que minha luz se apague
e eu esteja mais uma vez imune
a toda dor

Chocolate

Já faz um tempo agora
Que provei com espanto
A sua doçura quente
Ardeu enquanto descidas pela minha garganta ressequida
Me enchendo de nova vida

Com renovado prazer
Me perdi em suas curvas
E na seda da tua pele
Eras pra mim natural

Como um casal de feras selvagens
Nos reconhecemos no sorriso feroz

Mas também como o mais humano dos casais
Quisemos bem um ao outro
E nos despimos de todas as máscaras

Com reconhecimento mútuo
E genuína admiração
O tempo correu rápido pra nós
Caudaloso como as águas daquela cachoeira

Nunca te escrevi um verso
Porque sentia que não precisava

O nosso carinho delicado
Sempre me bastou
E foi sempre tudo que precisava

E as pessoas que tentavam se meter entre nós
Nunca alcançaram a distância das nossas peles
Que se tocavam desnudas

Pudesse eu
te tomava nos braços
Como Eros tomou Psiquê
E alçaríamos vertiginoso vôo sobre o mar
Alcançando na distância
Um lugar seguro pra nós dois

Devia eu temer o tempo
Tão diferente pra nós dois
Você na flor da tenra idade
Eu lobo velho
Cheio de cicatrizes

Não consegui confiar em ninguém
Nem mesmo em você
Que se entregou tão completamente

Vi seu sorriso quando entrou no carro
Hoje e há um ano

A luz brincava em seus cabelos cor de chocolate
Vibrando com o sonoro sorriso dos inocentes

E eu
Premiado com tamanha fortuna
Não pude me ver merecedor

Você bem me disse:
Pudesse eu me ver pelos seus olhos
Talvez eu conseguisse me amar também
E confiar
Que o futuro nos guarda lá longe

Na sonhada linha de chegada
Através da qual nossas vidas
Se converteria em eterno riso e eterno gozo

Mas eu não pude ver e ainda não posso
Eu olho para os lugares que eu gostaria de estar
E você não está lá

Talvez esteja um dia
Além do horizonte que hoje eu vislumbro

Teríamos a força, a serenidade
Para gravar no tempo da eternidade
Um de nossos retratos tão lindos?

Eu já não sei me prender
Me agarrar
Sou levado pelo vento
E pelos instintos naturais de quem sobreviveu a rigorosos invernos

Mas aqui estamos hoje
Ainda sem sabermos nos comunicar nesse nível mais elementar
Que dispensa palavras

Presos a esses modelos todos
Que tentam nos engessar
E nos retirar daquele espaço natural
Que desbravamos juntos

Eu não sei para onde agora o vento vai nos levar
A lua está cheia
O ar trás o sal das ondas do mar
E as flores viscenjam
A própria natureza faz amor

E hoje, nesse dia lindo
Você já não está colada em mim
Como gostaria que estivesses

Por isso eu vim aqui
Rabiscar pela primeira vez
o seu nome
Que esteve na minha boca esse ano inteiro
Lorrany
You took me Low
And you got me high

Estás gravada no meu sangue
Como alguém que habitou o meu ser
E que será sempre motivo
Para meus olhos já ressequidos
Brilharem refletindo a lua

Pudesse eu ter essa potência
Para te trazer comigo ou ir contigo
Sem ter medo ou nojo de ninguém
Caminharia naturalmente ao seu lado
Dançando e rindo sob os sóis todos

Mas a vida não nos fez para amar
O amor se realiza como o fogo
Sem deixar nada por onde ele passou
Talvez você não seja o anjo que eu mereço e espero
Mas você é o anjo com que sonhei

Amanhã na luta que mais um dia nos apresentará
Eu posso não estar mais em contato com você
Mas saibas sempre que aqui tens refúgio de alguém que te quer bem

Acima da posse dos amores menores

Esse velho lobo
Ranzinza e impaciente
Tomou-lhe como fêmea
E este homem que se sente mais velho do que é
Um dia quase teve a esperança
Necessária para impor sua vontade
À uma realidade tão cruel

Corre agora minha linda
Com sua cor de chocolate
Sacudida pelo vento
Corre célere de encontro a teu destino
Estando ou não
indo ao meu encontro

Daqui a muitas luas, qualquer coisa que me lembre seu nome
Trará aos meus dentes afiados
A luz do teu sorriso