domingo, 27 de dezembro de 2020

Satírica

Já faz um tempo agora 
Que me deito com Diógenes
Me comporto eu mesmo
Como o Cão
Fazia um tempo eu tentava conservar valores que eles me convenceram que eram naturais, racionais, civilizados, mas não eram nada disso
E eles convenceram até a mim 
De que os sátiros eram demônios 
E de que o demônio era um cão 
E eu menti pois não podia suportar a idéia, de que eu era um mero animal 

Pobre cão 
tão natural, tão afável, tão rápido em se doar 
Julgado e condenado à lâmina pela justiça dos homens 

Porque julgaríamos então 
O mundo natural com regras humanas 
E porquê julgaríamos o homem
Com mais rigor do que julgaríamos um cão? 

Porque o simples fato de sermos animais 
Pode ser usado contra nós, como uma ofensa? 

Quantos milênios foram necessários 
Pra que essa mentira repetida 
Cobrisse nossa nudez com vergonha 
Ocultasse os nossos impulsos 
Além de nos colocar à parte da natureza 
Nos cerrando nesse terrível sentimento de animal enclausurado durante esses surtos de lucidez que muitas vezes chamamos depressão e ansiedade?

Uma vez eu vi um vira-latas entrar na igreja 
Seguindo o padre que exibia O Livro Sagrado
O cão sarnento parou em frente ao altar e diante da audiência constrangida 
Enfiou a cara entre as pernas e lambeu o próprio cu 

Uma vez eu vi um pombo cagar na cabeça de Nero (o medonho Imperador responsável por assassinatos cruéis e massacres terríveis) como o vi fazerem na cabeça de todos os homens que se acharam importantes o suficiente pra construírem estátuas de bronze de si mesmos. 

Eu que pulverizei essas convenções todas 
Que sou um animal, um cão e um blasfemo confesso que ri muito dessas demonstrações frivolas, mas potentes, de que a natureza está se lixando pra gente 

Nosso desejo é muito mais antigo que o casamento 
Nosso sagrado é muito mais antigo que o templo mais antigo 
Nós temos que reencontrar a nós mesmos!

Reencontrar a espontaneidade que nos fez autênticos
Reencontrar a liberdade que abdicamos em nome de tantas convenções 
Nos aceitar, como realmente somos 
E como sempre seremos 
Irmãos dos cães 
Sátiros nos bosques 
Verdadeiros filhos de Adão
ignorantes de qualquer fruto proibido 

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