Que me deito com Diógenes
Me comporto eu mesmo
Como o Cão
Fazia um tempo eu tentava conservar valores que eles me convenceram que eram naturais, racionais, civilizados, mas não eram nada disso
E eles convenceram até a mim
De que os sátiros eram demônios
E de que o demônio era um cão
E eu menti pois não podia suportar a idéia, de que eu era um mero animal
Pobre cão
tão natural, tão afável, tão rápido em se doar
Julgado e condenado à lâmina pela justiça dos homens
Porque julgaríamos então
O mundo natural com regras humanas
E porquê julgaríamos o homem
Com mais rigor do que julgaríamos um cão?
Porque o simples fato de sermos animais
Pode ser usado contra nós, como uma ofensa?
Quantos milênios foram necessários
Pra que essa mentira repetida
Cobrisse nossa nudez com vergonha
Ocultasse os nossos impulsos
Além de nos colocar à parte da natureza
Nos cerrando nesse terrível sentimento de animal enclausurado durante esses surtos de lucidez que muitas vezes chamamos depressão e ansiedade?
Uma vez eu vi um vira-latas entrar na igreja
Seguindo o padre que exibia O Livro Sagrado
O cão sarnento parou em frente ao altar e diante da audiência constrangida
Enfiou a cara entre as pernas e lambeu o próprio cu
Uma vez eu vi um pombo cagar na cabeça de Nero (o medonho Imperador responsável por assassinatos cruéis e massacres terríveis) como o vi fazerem na cabeça de todos os homens que se acharam importantes o suficiente pra construírem estátuas de bronze de si mesmos.
Eu que pulverizei essas convenções todas
Que sou um animal, um cão e um blasfemo confesso que ri muito dessas demonstrações frivolas, mas potentes, de que a natureza está se lixando pra gente
Nosso desejo é muito mais antigo que o casamento
Nosso sagrado é muito mais antigo que o templo mais antigo
Nós temos que reencontrar a nós mesmos!
Reencontrar a espontaneidade que nos fez autênticos
Reencontrar a liberdade que abdicamos em nome de tantas convenções
Nos aceitar, como realmente somos
E como sempre seremos
Irmãos dos cães
Sátiros nos bosques
Verdadeiros filhos de Adão
ignorantes de qualquer fruto proibido