segunda-feira, 27 de maio de 2019

Labirinto da memória

Desde que me mudei
Pra esse país
Chamado passado,
Eu ando mais calado
Já não sou extrovertido
Animado
Parece que estou satisfeito
Em ter vivido
As coisas que já vivi
Mas não me vejo no direito de sonhar

Ou melhor

Quando me deito, o medo de sonhar me apavora, porque a pior parte de sonhar é acordar aqui.

Agora estou condenado
A ser infeliz no paraíso
Bom é o que a gente não tem

A cura do vício
É a overdose.

E eu que pareço um fantasma
Dos sonhos que tinha pra mim
Quando menino
Daquele sonho de morar fora
Fico até com pena de mim mesmo quando sonho de novo

E como eu poderia, sonhar de novo, se já realizei tantos sonhos e vi que na verdade eles eram ilusão? E como não ser levado pela corrente, perdendo o controle da própria vida, por não desejar nada? Como querer, como não querer, como poder ou como viver sem poder?

Eu que já fiz também, tanta coisa errada, carrego minhas penas pesadas. Já não sou risonho, mas taciturno, extrovertido, mas reservado. Eu que tenho a auto estima do último dos homens e me sinto superior à maioria deles. Eu, esse ser caleidoscópio, povoado por vasta fauna de sonhos e hordas de memórias. Eu, esse abismo, esse labirinto, esse infinito.

Porque aqui, nada é fácil.
É como assistir sua família ceiando no natal
e não participar.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Meu olho cansado é espelho do passado

Dizem que Gandhi disse:
Posso não ser ninguém, mas quando a verdade fala através de mim, sou um imbatível.

Essa foi uma das frases que guardei, desde adolescente e que moldaram minha inquietação, meu orgulho e minha coragem.

Depois vi Sêneca, Nietzsche, Bukowski e outros. Aqueles nobres e elevados, que a verdade destruiu. Ou melhor, a verdade sempre é inocente, porque a verdade é a própria inocência. O sincero jamais pode ser malicioso. E não se pode criticar a verdade, porque ela defende a si mesma. Daí talvez a frustração fatalista de quem se depara com uma verdade cruel.

Enquanto escrevia isso, lembrei, vivemos no tempo da pós-verdade. A verdade foi superada, relativizada, diminuída. E todas essas críticas podem ser verdade. Mas a verdade não é uma possibilidade, ela é, por definição, um fato. Evidente para todos no instante em que revelada, pois sua característica instrinseca de verdade, faz com que seja lógica e evidente. A pós verdade portanto, superou a si mesma no momento da crítica.

Mas eu quero é falar de amor. Ou "amor". Eu sempre fui e ainda sou um romântico. Mas hoje eu sou um romântico que não acredita no amor.

Em primeiro lugar porque "o homem, de ideias tão modernas, é o mesmo homem, que vivia nas cavernas". Eu vi os bichos se amarem e eu amei como bicho, e amei isso. Nós, seres higienizados e civilizados, vestimos as roupas lustrosas da cultura e achamos um absurdo que essa seja uma verdade auto evidente e explicativa: o tesão.

Não é errado dizer que ama aquilo que te agrada, te deixa a vontade e te passa segurança ou conforto. Errado é achar que amar é essa coisa nobre e elevada. O bicho alucina com as alturas para escapar da própria baixeza.

Pessoas já morreram por criticar Deus ou sua esposa, a Igreja. Talvez morram hoje em dia. O mesmo acontece àqueles que criticam o "amor". Eu fiquei impressionado quando li críticas mais que centenárias ao amor "burguês". Ainda mais porque essa verdade, que deveria ser auto evidente, ainda não é reconhecida. E talvez jamais será. O que ocorre, ao contrário, é que uma noção superficial e falsa de "romance" é proeminente nos círculos que buscam status e controle do outro (mais frequentemente, da outra). E falar isso tudo dá trabalho, e o pior, as pessoas não querem engolir essa verdade amarga. Mas ao contrário, elas mesmas tendo suas falhas reveladas, atribuem isso a uma falha ou insensatez minha. Querem tapar os ouvidos de seus amados, para proteger a mentira. Eu morri em alguns círculos sociais, mas eu não morri pra mim mesmo. Eu sei da beleza de Khalil Gibran e tantos outros falando do amor. Mas eu também aprendi um amor que transcende a civilização e se descobre, animal.

Talvez seja só uma questão de como nosso cérebro nos recompensa por cumprir nossos instintos. O amor talvez seja uma questão que pode ser reduzida à genética. E nessa história, eu não sou atraente pra ninguém. Eu vejo tudo de fora. Eu sou um lobo que já foi ardiloso e agora está cansado. Prefiro a fumaça, o café e a filosofia barata.

Disso tudo, talvez existam dois erros que ainda precisam ser debatidos, ou não: 1) a falha que é, alcançar um pensamento tão complexo que nos faça sofrer; 2) prolongar tanto a expectativa de vida e o ócio, a ponto de sofrermos tanto. Mas discutir sobre a vida, o Universo e tudo mais é um papo pra outra hora.
Há tanta gente
Apagada da memória
Nas páginas da minha lembrança
Vivo com os amores que um dia tive
Brancas como leite
Morenas e negras
Índias que derreteram como chocolate
No sol do verão
Quanto cabelos
Perfumaram meu rosto?
Negros, ruivos, loiros
Multicoloridos
Curtos, longos,
Lisos, crespos
Quantas músicas?
Quantos sussuros
Embaralaram minhas delícias?

Queria escrever suas curvas em linhas de mármore
Queria guardar suas luzes em caleidoscópios
Para dizer a alguém:
Olha aí!

E essa pessoa sorrir com os olhos
E suspirar diante do lindo obsceno
E dizer:
Você amou muito, e foi feliz.

Compondo a si mesmo como uma tragédia consumada

Eu, que não sou ninguém
Na realidade
Sou para mim mesmo, minha própria ficção poética
Essa alucinação é meu bote salva-vidas

Se vc ver esse sorriso forçado
Nos meus olhos cansados
Se eu silencio e me isolo
É porque estou mesmo
Exaurido

Meus olhos são um espelho
Do passado
Meus sonhos bons
são assombrados
Eu sou o menor ossinho
Na espinha dorsal do Ocidente
Eu quase não sou gente

Mas dentro de mim
Uma sinfonia poética
Arrebata
Minha filosofia é tão impopular, que só eu conheço.
E eu fico imaginando os livros que nunca escreverei
E fico imaginando poemas, que depois esqueço.

Essa câmara de eco, não sentirá falta deles.
Ninguém sentirá

Mas eu realmente acho, que destranquei algumas sabedorias
Como uma paródia de Sêneca
No boteco sozinho
Com Diógenes, Nietzsche e Bukowski

E eu realmente acho, que quem tem minha amizade e meu amor, tem sorte
Porque de certa forma, existe em mim um orgulho.

De eu ser esse cafona Byroniano
De eu ser esse Ulysses do século XXI
O último dos homens
A miséria da miséria
E ainda assim
Resistir
Com a cabeça mais pesada que o Everest
Mas erguida.