Continuo carregando
esses pesados olhos baços
cabeça de nuvem
pé de pá
empapado de suor
no descanso
atravesso os maravilhosos vales oníricos
para me ver sempre
preso naquela caverna
contemplando o rosto
que sempre que desperto
afasto da lembrança
eu queria mesmo
tal como Homero
compor universal canção
sobre meu tempo e minha sina
para que me cantem os bardos do futuro
pelos milênios avante
que menestréis cósmicos
na lonjura das estrelas
conheçam o som do meu nome
e do seu
Mas também não se apagarão as estrelas todas?
Quem podemos então
querer ser?
Existe lembrança sem esquecimento?
Nascimento sem morte
eu quero a morte
eu quero a morte
Não se renasce sem passar pelo fogo
Não se redime sem ser esquecido
Na verdade o que eu quero é o esquecimento
O Nada é um descanso
Afinal, o que é a felicidade sem esquecimento?
O que é o riso, ou o gozo
além do esquecimento da vida
como a lembrança do prazer pueril, há tanto esquecido?
De repente lembrado
logo novamente apagado
Nem Schopenhaur, nem Nietzsche me deram a resposta
Só Pessoa enquanto Caeiro foi feliz
Só foi feliz quem se esqueceu
só se redimiu quem foi esquecido
O heroi vitorioso
no festim lascivo
canta seus hematomas, ferimentos e cicatrizes
só para noutro dia
lidar com a ressaca
e só para o outro ainda
lidar com a vingança
Enquanto suas vitimas
jazem tranquilamente
sendo devoradas pelos abutres
-Ali jaz um homem que descansou, ali não existem dores, contra ele podem pesar mágoas, mas não pesará mais nenhuma vingança!
Dancemos aos mortos, até que nos juntaremos a eles!
Inventemos um Deus que nos apazigue o espírito e nos livre da carne!
Morramos!!!
Sejamos logo esquecidos, já que o seremos inevitavelmente
Vamos apressar nosso destino certo
A espada que cortou a garganta, do feroz e leal soldado
num átimo de agonia, livrou-lhe de toda dor
tombou como inimigo digno
agora descansa em sua cova
até que seja pó
Sejamos pó, também, eu e você
todos que amamos e todos que nos amaram
todos os sorrisos e lágrimas que provocamos um ao outro
Sejamos nada!
Afaste-se daqui
Dê descanso... Oh! bendito esquecimento!!!
Dê morte, dê silêncio
Dê-me trégua
Não quero visitá-la nos pesadelos tenebrosos que me estremecem a madrugada
E também não quero visitá-la no sonho bom
para que eu não acorde desesperado pela sua ausência!
O querem de mim Oneiros
Que sussurras oceano ruidoso do inconsciente!
O que querem de mim os deuses?
Eu teria o prodígio olimpiano
de subir para qualquer lugar que fosse?
Qual dessas montanhas impossíveis
eu deveria escalar?
Para onde eu iria
quem iria me acalentar
Se não me dão a resposta
resignado guardo silêncio
Sem desejar nada
além de ser esquecido.
quantas vezes eu gritei pra ser ouvido?
quantas vezes eu calei
esperando um carinho voluntário
recebendo somente solidão e angústia?
quantas vezes eu me esforcei todo dia
e estraguei tudo, com um erro básico?
de onde vou tirar forças
pra começar do zero
sabendo que hoje ou daqui há alguns anos
um erro colocará abaixo o castelo de cartas
sobre o qual me aninhei?
como seguir o fluxo
o Tao
desse rio perpétuo
sempre cambiante
e ainda assim
agir?
com não cair no marasmo da passividade?
como ter a Vontade para ser Além?
como não querer, como não esperar?
Se não têm a resposta, porque fazem isso comigo?
Não seria melhor
colocar tudo de lado
e simplesmente
esquecer?
como eu poderia
ser visto como tudo que sou
ou ser outra coisa afinal
até que num lampejo luminoso
eu seja visto
eu seja lembrado
e a mão macia do amor e da gratidão
que não seja do etéreo Deus
afague e console
Como suportar, senão no delírio d'Ele
essa enxurrada de mágoas
essa dor nas costas
esta garganta seca
essa lágrima presa
e no leito
no lugar do descanso
o sonho maldito
noite após noite após noite após noite
seu fantasma vingativo me visitando
enquanto sua mente seu coração e seu corpo
visitam outros
(que lhe tenham e façam bem)
Estou preso nessa desventura romântica?
Seria Anansi a tecelã
desse anti-heroi romântico maldito
seria eu o escultor dessa estátua de mármore
como gaulês em eterna agonia?
Afinal, eu gosto de sofrer?
Sofrer não mostra meu amor? Quanto tenho que sofrer mais? De que adiantaria?
Passei suado, pela mesma portaria de quase trinta anos atrás, fedendo e faminto.
Mas eu era melhor que elas, que eles todos!
porque na minha cabeça nascia um poema
desabafei nessa prosa sem vergonha
evocando um panteão de falsos deuses, sem respostas
num monólogo pobre, para platéia alguma
até que eu mesmo me esqueça
até que eu seja esquecido
talvez pelo desejo escondido
da vontade
de ser lembrado
por aqueles que também caminham para o nada
http://omartelodenietzsche.com/2018/02/09/12-livros-que-abordam-os-principais-dilemas-da-humanidade/
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