quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Sozinho como todo mundo

a carne sobre os ossos
e colocam uma mente
ali dentro e
algumas vezes quebram
vasos contra as paredes
e os homens bebem
demais
e ninguém encontra o
par ideal
mas seguem na
procura
rastejando para dentro e para fora
dos leitos.
a carne cobre
os ossos e a
carne busca
muito mais do que mera
carne.
de fato, não há qualquer
chance:
estamos todos presos
a um destino
singular.
ninguém nunca encontra
o par ideal.
as lixeiras da cidade se completam
os ferros-velhos se completam
os hospícios se completam
as sepulturas se completam
nada mais
se completa.
-Bukowski, O amor é um cão dos diabos.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Assoalho de segredos

Sentado no escuro, olho mil luzes distantes no céu.

Um assoalho de segredos
Que moram além de nossos telhados
Erguer-se é cair no vazio

O chão é um abismo
estamos grudados no teto
rodando a esmo


Encantado e apavorado
entendo
Porque tantos se acovardam na ignorância

Mas e quanto a nós?

Tudo muda quando realmente queremos algo
só nos falta escolher
o que fazer com nosso tempo.

 
 As estrelas brilham por nós.

Many times stated Truth

“That's the truth of it; pile together everything we know and care about in the universe and it will still be nothing more than a tiny speck in the middle of a vast black ocean of Who Gives A Fuck.”
David Wong, John Dies at the End

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Minha Velha

Sempre sonho com o dia
Em que entrarei animado na minha casa
Darei um beijo na minha velha
E direi:
Eu te amo,
finalmente lhe perdoo
por ter tratado meu velho
de maneira tão leviana,
ele era um puta dum cara,
mas agora você é tudo
que eu posso chamar de família.
Obrigado.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Zadig

Ele imaginou os homens tais como são de fato, insetos que se entredevoram uns aos outros num pequeno átomo de lama.

Zadig, Voltaire, s. XVIII.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Somos assim: sonhamos o voo mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.

Os Irmãos karamazov,
Fiódor Dostoiévski.

domingo, 16 de novembro de 2014

Natural

Extenuado 
atuo nos limites do corpo e do espírito
Estafado 
minha mente se embola
Ansioso
não antecipo o que anseio

Enquanto as pessoas acordam para trabalhar
Pássaros noturnos chamam
Um gato atravessa a rua
E eu
Animal-poeta
Sonho

Tem defeito aquele que se arrasta com poesia n’alma
Sua carne lhe sufoca
Balbucia seus sentimentos 
e não exprime jamais 
o tamanho de seu amor ou a largura de seus sonhos.
Dedica-se a débeis tentativas 
de se expressar 
e nunca realiza a si mesmo.

Ainda pior, quando além do alento da ignorância, falta a este sonhador o talento da palavra,
Sofre pela sua anomalia sentimental, a que chamam poesia.
Também sofre pela ignomínia: quer extravasar a si mesmo em palavra, mas sempre lhe faltarão os recursos,
Esconde os ferimentos como uma criança que saiu para brincar sem permissão e se machucou.
Encolhido na noite, atônito, morde os lábios para não gemer.


Falto-me 

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Ode Marcial (fragmento)

A fúria eterna e irremediável dos combates
Os mortos sempre a mesma misteriosa morte - o corpo no chão (e o que é o mundo, afinal, e aonde?)
Os feridos gemendo do mesmo modo em corpos os mesmos
E o céu, o eterno céu insensível sobre isso tudo!

Orpheu I

De eterno e belo há apenas o sonho. Por que estamos nós falando ainda?

(Pessoa, 1915)

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Consonamos

Procuro em mim seus fragmentos Eis o que recolho: Tua ancas galopam de um lado ao outro vagarosamente enquanto se afastas Minha loba Olhando de soslaio Com um sorriso devasso no rosto Eu anjo de metal sobre o ronco do motor. Pura se estende tépida em lençóis limpos Seu cheiro me invade e forma um tufão dentro de minhas narinas Contido, expiro brasa e guardo o fogo no peito Tremendo lhe tomo pelas mãos Em furiosa calma te faço mulher Vibramos em sintonia Consonamos no amor e na paixão. Na aventura noturna rasgo montanhas fogos explodem no céu estrelas se movem lobos uivam e feras fogem nossa mágica molda o mundo. Juntos somos deuses. Mas buscando mais fundo, o fragmento mais banal é o que mais me comove, lembro mais do riso e da conversa na beira do lago e da conversa e do sim e do sim